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sábado, 3 de março de 2012

Ditadores, narcisos, demagogos e outros perfis

O texto abaixo, escrito pelo mestre Jair Queiroz, 5º dan, é de leitura obrigatória. Ele traduz fielmente o momento político que vive o taekwondo brasileiro. Perca alguns minutinhos do seu tempo e ganhe um tanto mais de cultura.

Reflexões sobre as bizarrices da postura ditatorial, à partir de citações

de “grandes defensores da liberdade”.

Jair Queiroz

Há quem confunda democracia com bagunça ou com anarquia, que é sim uma forma de democracia, porém, como disse a Phd em psicologia, Ivone Boechat, “é a democracia sem educação”, logo, não é boa forma de governo. Outros são adeptos do laisses faire, do “deixar como está para ver como vai ficar” o que é ainda pior.

Há, porém, os que tratam a democracia com demagogia e com hipocrisia. A frase que mais se encaixa para os que empregam discursos hipócritas para se auto proclamarem democratas, foi dita por Millôr Fernandes: “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”. Ou seja, disparam contra os que estão no poder, até que ascendam a ele, daí a roda se inverte. Não é a toa que Rui Barbosa dizia que odiava “as combinações hipócritas do absolutismo dissimulado sob as formas democráticas”.

Os que usam o recurso da demagogia não são menos nocivos. Sendo mestres da argumentação a usam para manipular as mentes incautas. Costumam elogiar seu séquito, que, via de regra, não passa de um pequeno grupo de pouca formação, desprovido de senso critico, para, sustentado por ele, atribuir a si as conquistas coletivas. Fazem do maniqueísmo uma de suas marcas, distinguindo enfaticamente “os do bem” e “os do mal”. Evidentemente os bons são aqueles que se submetem aos seus comandos. Com arrogância tentam impingir o medo para silenciar os opositores, disseminando a idéia de que “os sentimentos, os pensamentos e os desejos deles (opositores) não têm a menor importância, e que são ‘ninguém’ e devem se submeter às pessoas ‘autorizadas’ a desejar e pensar por eles" (sic. de Stephen Vizinczey).

Na análise cortante e pontual sobre a ditadura ferrenha que se instalou na Argentina entre os anos 1966/1973, o poeta portenho Jorge Luis Borges, alarmou: “As ditaduras fomentam a opressão, fomentam o servilismo e fomentam a crueldade, mas o mais abominável é que elas fomentam a idiotia."

Não é fácil identificar um ditador, pelo menos não para os seus seguidores, que fascinados por seus discursos demagogos e com baixa capacidade de raciocínio crítico, o veneram, alimentando cada vez mais sua sanha pelo poder. Outros até vêem, porém movidos pelo mesmo desejo de dominar, ou por serem venais e oportunistas, o bajulam na esperança de se beneficiarem com os despojos dos aniquilados.

Com a explosão midiática nesses tempos de internet o perigo dessa abordagem ganhou uma dimensão ainda mais assustadora. O espaço privado de um site espalha a palavra como dardo venenoso e em milésimos de segundos atinge a massa, essa massa que se deleita com a verborréia do seu articulador. Os danos podem ser irreversíveis.

Jamais subjuguemos a capacidade de pessoas com esse perfil manipulador que sabem usar a ambivalência da palavra para persuadir a plebe. O ex Presidente da República, João Batista Figueiredo, aclamado por ser o “presidente da abertura política”, atingiu o ponto mais elevado desse posto ao proferir a seguinte pérola: “Vou fazer deste país uma democracia, e se alguém for contra eu mando a polícia prender e arrebentar”. Acabou elencado no livro que cita as maiores besteiras já ditas por grandes personalidades da história (“Book of All-Time Stupidest Top 10 Lists” – de Ross e Kathryn Petras).

O professor da USP, Gaudêncio Torquato, num artigo intitulado “Narcisistas e demagogos”, alerta para os “malabarismos perpetrado pelos políticos/narcisistas”, que, segundo ele, “promovem a mistificação das massas, fazendo-as crer que o discurso é a ação, o verbo é a obra, a palavra é sinônimo de verdade”. Mais à frente o professor diz: “Juntando-se então o narcisista e o demagogo, o verborrágico e o reizinho cheio de empáfia, tem-se (...) o encontro do ruim com o pior, de Narciso com aquela figura canhestra tão bem caracterizada por Chico Anízio: Justo Veríssimo”.

Quando sabemos que alguém, mesmo um cidadão comum, tem sua concepção de “ordem e democracia” alinhada à “pena de morte”, ficamos indignados, pois concluímos que tal ponto de vista apresenta enorme distorção na percepção das relações interpessoais e é a antítese da liderança positiva. A situação atinge patamares de anomalia relacional quando essa mesma lógica é assumida por um dirigente de uma entidade de interesse coletivo, que em tese deve lidar com as diferenças ideológicas e que deveria, pelo menos, ouvir opiniões diversas, discuti-las de forma construtiva, buscando sempre a conciliação, mas que opta por fazer ameaças veladas no intuito de silenciar os que divergem dos seus propósitos. Só o leitor mais atento, livre do fascínio exercido pelo opressor, percebe o tom ameaçador desse discurso funesto e que é uma afronta à liberdade de pensamento, uma ironia à nossa inteligência.

A pena de morte em países “desenvolvidos” - que de toda sorte é uma aberração no meu ponto de vista - enquadra a prática de crimes hediondos e mesmo assim só é imposta após o cumprimento de extensa formalidade processual, com amplas possibilidades de defesa ao acusado. Mencioná-la quando a temática é a oposição de idéias ou criticas, diga-se de passagem, pertinentes e construtivas, sentenciando seus questionadores à expensas de um tribunal próprio, é assustador. É óbvio que deve haver ordem e respeito, assim como é óbvio que um líder habilidoso deve ser capaz de conquistar essas condições e não obtê-las pela truculência, ainda que seja pela truculência da palavra. Que sirva para reflexão a frase da “presidenta” Dilma Rousef, que manifestando sobre a liberdade de imprensa, disse recentemente: “Prefiro ouvir a gritaria dos críticos do que o silêncio dos porões da ditadura”. E nesse particular a nossa presidente é catedrática, pois poucos sentiram na pele - na mais pura concepção da palavra – a crueldade do sistema repressor.

Como são previsíveis as reações dos absolutistas, aqueles que se atrevem a se manifestar a respeito da suas barbáries, devem esperar o “massacre” e a execração pública. A estratégia então é adiantar o que poderá acontecer, minimizando assim a possibilidade de tonar-se alvo de alguma fúria insana, uma vez que essa reação ficaria óbvia demais para ser justificada. Alguém precisa se sacrificar.

Mestre Queiroz – 5º Dan, Londrina - Paraná.